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Carvão ou luz do sol?

“Para explorar em profundidade a busca pela felicidade genuína, pela felicidade autêntica, é preciso desviar a atenção da busca pela felicidade hedônica"



Transcrevo aqui uma excelente reflexão do Prof. Alan Wallace oferecida em Londres, em abril de 2014.

“Para explorar em profundidade a busca pela felicidade genuína, pela felicidade autêntica, é preciso desviar a atenção da busca pela felicidade hedônica. Há uma analogia que funciona para mim. Há cerca de um século, no Reino Unido, nos Estados Unidos e em alguns outros países, as cidades enfrentavam um grande problema decorrente da poluição causada uso do carvão. Em Londres, por exemplo, este era um enorme problema.

Agora imagine hipoteticamente uma comunidade cuja única fonte de energia provém de uma usina de carvão. E é claro que essa população sofre de diversas doenças respiratórias – tosse intensa, câncer, crianças morrem devido a essas doenças e assim por diante. As pessoas convivem com o problema, mas muito mal. E um dia, alguém que vive nesse lugar ouve a respeito da captação de luz solar para gerar energia. E isso parece ser muito bom! E começam então a investir pesadamente em muitos e muitos paineis solares. Eles instalam os paineis e começam a tentar captar a luz solar. Mas o ar é tão contaminado por essa densa fumaça negra que os paineis solares simplesmente não funcionam. Então, o que eles precisam fazer? Não há nada a ser feito da noite pro dia. Eles precisam ir gradualmente desativando a usina de carvão para reduzir a contaminação do ar e para que a luz do sol possa começar a atingir os paineis. Após algum tempo, seguindo esse processo gradual, a usina de carvão poderá ser completamente desativada e os paineis poderão funcionar plenamente.

A analogia diz respeito à popularização da meditação, especialmente a chamada “mindful revolution“, entre outras. É uma boa coisa, na medida que essas técnicas aliviam o sofrimento, ajudam a tratar dores crônicas, manejar o estresse, etc. Isso é maravilhoso. Mas uma prática meditativa descontextualizada, seja ela mindfulness, conforme descrita pelos psicólogos, ou seja shamatha, vipassana ou até a meditação transcedental, ainda que sejam bons métodos, se não implicarem em uma transformação na forma de ver a realidade – “não mexa nas minhas premissas, nas minhas crenças, mas estou muito estressado, sofro muita pressão, me dê uma meditação, uma medicação (como se a diferença fosse apenas uma consoante)” – essa prática será na verdade apenas um band-aid. Você pode fazer isso. Você pode meditar sem transformar sua visão de mundo, suas premissas, sem nunca desafiar seus valores, suas prioridades. Você pode também meditar durante 15, 20 minutos em meio a um estilo vida frenético, sem modificá-lo em nada. Você pode fazer isso! Não há nenhuma lei contra isso. Mas isso não é uma revolução – isso é um band-aid. E eu não estou falando sobre práticas que outras pessoas ensinam – estou falando sobre as práticas que eu mesmo ensino. São métodos sensacionais, mas se eles se resumirem a isso, sem transformar seus valores, sua visão de mundo e o seu estilo de vida – “estou muito estressado, me dê alguma coisa que não seja um medicamento” – está bem, mas é isso que você terá: apenas algo para substituir uma droga. Nesse caso, você não terá desligado a sua usina de carvão – você terá ligado os paineis solares e conseguirá captar apenas alguns fracos raios de sol.

A busca da felicidade implica questionar, explorar, desafiar as nossas próprias crenças. Não as crenças de outras pessoas – isso é fácil! Examinar, analisar, desafiar as nossas próprias premissas, a nossa própria visão de mundo – é isso que permitirá que uma verdadeira revolução aconteça. Isso significa não estarmos mais focados exclusivamente na busca incessante por prazeres hedônicos, durante cada momento das nossas vidas. Só assim será possível gradualmente desativar a usina de carvão.


Original em: http://sukha.net.br/carvao-ou-luz-do-sol/

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